Sem capacitação necessária, profissionais dependem - cada vez mais - dos treinamentos corporativos para responder às demandas do trabalho

Há pouco mais de dez anos, após o clássico estudo da McKinsey sobre a guerra de talentos, as empresas começaram a atentar para aquilo que seria um dos seus maiores desafios nos anos seguintes: escassez de gente. Passado esse tempo, o que era tendência não só se firmou como realidade, mas trouxe também outro peso para os gestores de pessoas — a formação desses profissionais. Mais do que a falta de gente, o mundo do trabalho moderno passou a exigir competências que os profissionais não possuem. E cabe — cada vez mais — às empresas se virarem para tentar suprir essas lacunas. 

Uma pesquisa realizada pelo Economist Intelligence Unit (EIU), a pedido das empresas globais Dell e Fedex, com 192 executivos seniores da América Latina, mostrou o quanto as organizações vêm sofrendo com a falta de habilidades de seus funcionários — que vão das técnicas até as sociais. Segundo a pesquisa, pensamento crítico, comunicação oral e escrita e habilidades pessoais encabeçam a lista de qualificações que faltam nos países latinos. 

As competências técnicas, como o domínio do inglês, da matemática e da tecnologia, também são deficiências costumeiramente encontradas pelos gestores de recursos humanos. A fabricante de computadores Dell, por exemplo, não consegue muitas vezes completar suas vagas, pois não encontra pessoas com nível de inglês suficiente para os cargos.
 
"A procura pelo aperfeiçoamento da língua inglesa no Brasil tem aumentado, mas não na velocidade em que o mercado está demandando", afirma Paulo Amorim, diretor de RH da Dell. Para minimizar essa carência, a empresa tem aumentado as fontes de procura, baixado o nível de exigência da fluência e, principalmente, fornecido treinamentos internos.
Diante desse cenário desanimador, as empresas não têm muitas alternativas — precisam tomar o problema para si e criar mecanismos próprios para elevar o nível de seus funcionários.

Segundo 53% dos participantes da pesquisa da EIU, a principal função do setor privado hoje é estabelecer instituições de ensino de propriedade e operação privadas, assumindo o que seria a função do governo. Isso é o que faz a Ci&T, desenvolvedora de software, com sede em Campinas, no interior paulista. 

Há três anos, a empresa, juntamente com outras sete companhias de TI de pequeno e médio porte da região, criou o programa Descobrindo Talentos em TI, para suprir a falta de capacitação técnica do pessoal que chega ao trabalho. O programa, que tem hoje quase 200 alunos, oferece seis meses de aulas técnicas e comportamentais para os futuros profissionais.

As empresas participantes compram cotas do programa e se responsabilizam a ficar com metade delas a cada período, de acordo com a demanda por profissionais de cada uma. Segundo Carla Borges, gerente de recursos humanos da Ci&T, nos últimos três anos, a empresa já contratou aproximadamente 30 pessoas que passaram pelo programa. 

"Sabemos que temos de capacitar o profissional da base, pois há uma deficiência grande de formação, mas essa não é a etapa mais difícil", diz Carla. "A parte mais complexa é formar o profissional que sai do operacional e se torna líder."
    MEIO DA PIRÂMIDE
O problema da formação, portanto, não se limita à base. Nos níveis acima há também lacunas, especialmente as comportamentais, que precisam ser preenchidas. A Ci&T, que tem 850 funcionários, dos quais 170 são líderes, tem investido cada vez mais em formação de liderança com cursos ministrados pelo próprio RH e que contam com a participação de gestores.

O esforço é fazer com que os novos líderes saibam como trabalhar em equipe, ser proativos e até lidar com clientes, carências que vão surgindo ao subir os degraus da hierarquia, que podem comprometer o negócio. O problema também é grande para empresas maiores. 

Com 17 000 funcionários, a fabricante de aviões Embraer não só precisa desenvolver seu time como ser também autossuficiente em mão de obra para dar conta da evolução de seus negócios. Nos últimos cinco anos, a companhia investiu 165 milhões de dólares em treinamentos para seus funcionários.

  Só os engenheiros, que representam 25% de sua força de trabalho, passam 18 meses se desenvolvendo num programa baseado em três módulos sobre aeronáutica. 

Da parte teórica e abrangente à prática e aplicada. O nível operacional da Embraer também passa aproximadamente três meses em treinamento, com tutores que acompanham os funcionários nas fábricas. Mas, assim como a Ci&T, é a liderança que mais consome energia do RH.

"Se eles estão preparados, o restante segue", afirma Eunice Batista, diretora de RH da empresa. Segundo ela, há duas principais lacunas do nível que ocupa o meio da pirâmide: visão sistêmica e gestão de pessoas. "A parte técnica você tem que formar, e ponto. O maior esforço, porém, está em trabalhar atitude e comportamento", diz a diretora.

Não é a toa que capacitar a liderança aparece em segundo lugar na lista de prioridades dos gestores de RH das companhias listadas no Guia VOCÊ S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar. Perde apenas, claro, para o item preparar e desenvolver o time. No caso da Embraer, a preocupação com o desenvolvimento da liderança começa antes mesmo de o funcionário virar líder.

Os profissionais identificados como futuros líderes passam pelo primeiro programa de formação da liderança. Nada menos que 360 horas de aulas durante um ano e meio. É praticamente um MBA interno. Isso não significa, porém, que ao terminar o programa o profissional esteja pronto. Uma vez líder, ele vai enfrentar outra carga de treinamento, que inclui módulos como gestão por resultados e coaching.

E recebe treinamento até o final de sua vida na empresa. O nível top da companhia (gerentes seniores e diretores) participa do Programa Formação de Empresários. "O programa ajuda a formar empresários, e não executivos, tornando-os responsáveis pelo negócio", explica Eunice. Uma forma de garantir o melhor time possível até o final de seu ciclo na empresa.
  Fonte: Revista Você S/A  

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