Sobram vagas em diversos setores da economia e os profissionais são cada vez mais disputados. Saiba quem são os empresários que estão contratando e como você pode abraçar as oportunidades

Por Hugo Cilo

Vinte anos atrás, o economista americano Jeremy Rifkin, em seu livro O fim dos empregos, previu que em duas décadas – exatamente nos dias de hoje – o mercado de trabalho seria um retrato perfeito do caos e que grandes empregadores seriam apenas gestores de tecnologia, não mais de pessoas. A julgar pelo Brasil, ele se equivocou nas duas previsões.

A taxa de desemprego segue em queda há quase uma década. Em 2002, atingia 12,6% da população economicamente ativa, bem superior aos atuais 7,2%. No ano passado, em plena retração econômica global, foram criados mais de um milhão de empregos formais, marca que deverá ser batida nos primeiros quatro meses de 2010.

"É a melhor fase do emprego de todos os tempos", vibrou o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. De fato é. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dois milhões de vagas serão criadas até dezembro. A performance do emprego, turbinada pela reação da atividade econômica, surpreende até os mais otimistas.

No primeiro trimestre, as contratações bateram recorde histórico, com a criação de 657 mil postos de trabalho, quase 6% acima do que se previa, segundo dados do Ministério do Trabalho. Em algumas atividades, há muito mais oportunidades do que candidatos – é o caso da engenharia, da contabilidade, da construção civil e dos setores petroquímico e de metalurgia, entre inúmeros outros.

São oportunidades que contemplam desde o operário até o mais alto executivo. E nesse cenário de pujança econômica, em que o pleno emprego parece mais real que o fim da mão de obra humana, aqueles empresários que, para o economista Rifkin, administrariam apenas robôs hoje são personagens reais que fazem do ato de contratar e reter talentos gestos determinantes para o sucesso de suas empresas.

Não existe no País setor que espelhe melhor essa nova realidade do que o de petróleo e gás. A exploração das reservas do pré-sal e a expansão dos investimentos da Petrobras em várias regiões brasileiras abrirão 50 mil vagas em 2010. Desse total, a demanda será por mão de obra de nível básico (64%), nível médio (30%) e superior (6%).

Grande parte das oportunidades surgirá dentro de empresas parceiras da estatal ou contratadas para realizar grandes obras de infraestrutura. Mas não é só isso. A própria companhia tem planos ambiciosos. “Nossa meta é abrir dez mil novos postos de trabalho até 2013”, disse à DINHEIRO José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras.

Além de suprir a demanda com a expansão das atividades do setor, o executivo acredita que a empresa precisa preencher rapidamente o abismo salarial que existe entre os funcionários com menos de oito anos de companhia – e, portanto, com menos experiência – e os que têm mais de 18 anos de casa, que estão próximos da aposentadoria.

Encontrar mão de obra qualificada, porém, não tem sido tarefa fácil para a empresa e suas parceiras. A saída da estatal será reforçar a área de treinamento e qualificação de funcionários – só neste ano cerca de 60 mil trabalhadores passarão pelos bancos da universidade Petrobras, destinada exclusivamente à formação de profissionais da estatal e de seus fornecedores.

"Em tempos de competição acirrada, não basta apenas formar", disse Gabrielli. "Tão importante quanto qualificar nossos trabalhadores é desenvolver políticas de retenção com boa remuneração e perspectiva de carreira. Se você não for muito preciso neste ponto, acaba perdendo o trabalhador no qual investiu tempo e dinheiro." Não é o caso da estatal. Hoje, o turn over (expressão utilizada para definir o índice de rotatividade dos empregados) está abaixo de 1%.

Assim como Gabrielli na área de petróleo e gás, poucas personalidades da economia refletem tão bem essa fome por contratações como os executivos que estão à frente das maiores redes varejistas do País. Juntos, Jean-Marc Pueyo, do Carrefour, Abilio Diniz, do Pão de Açúcar, e Hector Nuñes, do Walmart, serão responsáveis por mais de 30 mil contratações neste ano.

No Walmart, as novas 100 lojas que serão abertas gerarão pelo menos dez mil oportunidades de emprego, a mesma quantidade de efetivações de 2009. A rede, a partir deste ano, pagará um bônus de um salário a mais aos funcionários das lojas que baterem as metas de venda. “Temos vagas disponíveis para todos os tipos de cargos: açougueiros, padeiros, peixeiros, supervisores, gerentes e até executivos”, diz Marcos Próspero, vice-presidente de capital humano do Walmart. Movimento semelhante se repete nas empresas concorrentes. Em 2009, o Carrefour criou mais de 4,4 mil postos diretos de trabalho no Brasil.

Em 2010, a previsão inicial de cinco mil novas vagas de emprego já foi revista e poderá atingir dez mil vagas, graças aos planos de abertura de 70 lojas. “Acreditamos no potencial de crescimento do País e essas novas oportunidades de trabalho reforçam ainda mais o nosso compromisso com o Brasil”, afirmou o diretor-superintendente do Carrefour, Jean-Marc Pueyo, à DINHEIRO. E ele precisa crescer, pois acaba de perder a liderança do varejo para o Pão de Açúcar. Por isso, até 2011, o Carrefour pretende investir R$ 2,5 bilhões no País. Coincidência ou prova da concorrência entre as companhias, o Pão de Açúcar, do empresário Abilio Diniz, recrutará outros dez mil profissionais.

O rápido crescimento do mercado de trabalho tem forçado mudanças nas relações trabalhistas, em que uma boa indicação chega a valer mais do que um bom currículo. “Acabou aquela história de que o patrão manda de forma autoritária e o funcionário obedece por medo de ser demitido. Hoje, com o mercado aquecido, as empresas não querem perder bons funcionários e, em razão disso, os talentos são cada vez mais valorizados”, diz o consultor em emprego Scher Soares.

"A disputa pelos melhores profissionais exige estratégias criativas dos grandes contratantes. Afinal, quando se perde um funcionário, perde-se conhecimento, algo cada vez mais valioso no concorrido universo dos negócios", garante o consultor. Um termômetro fiel dessa tese é a própria massa salarial.

Ela tem subido de forma impressionante desde as atividades com salários mais baixos até os cargos de alto escalão – evidentemente influenciada pelo velho teorema econômico da relação oferta-demanda. Entre 2003 e 2009, o salário médio de admissão subiu 26,65%. Significa que o mercado de trabalho, que antes oferecia uma média de R$ 640,30 iniciais, passou a pagar R$ 780,56 para recém-contratados no final do ano passado. A alta se mantém neste ano. Em março, a remuneração passou para R$ 816,70.

Na Teleperformance, a maior empresa de call center do mundo, remunerar bem os funcionários é quase um dogma, segundo o presidente Paulo César Salles Vasques. Enquanto suas principais concorrentes pagam, em média, R$ 600, os operadores de telemarketing da multinacional francesa ganham R$ 3 mil.

"Somos muito exigentes na seleção e pagamos melhor para ter os melhores profissionais", justificou o presidente da companhia no Brasil. "Precisamos contratar operadores que sejam bilíngues e tenham boa formação", diz ele. A empresa, dona de um faturamento global de US$ 2,6 bilhões em 2009, pretende aumentar seu quadro de funcionários no Brasil de oito mil pessoas para 12 mil empregados até o fim do ano.

Outro setor que tem contratado muitos profissionais para atender à demanda de mercado é o automobilístico. A operação da Fiat no Brasil, por exemplo, tornou-se a mais importante do grupo italiano e, para manter os resultados, Cledorvino Belini, presidente da empresa no País, está contratando um batalhão de gente.

Em apenas 60 dias, a montadora, hoje com 15,3 mil funcionários, recrutou mil empregados para departamentos que vão da engenharia ao chão de fábrica. Detalhe: até o fim do ano, a Fiat deverá contratar mais mil pessoas. “A geração de empregos é diretamente proporcional à expansão do mercado interno e externo”, diz Belini à DINHEIRO. Mas nem sempre é possível preencher os postos com tanta facilidade.

A Ford que o diga. Das 109 vagas voltadas para engenheiros abertas pela montadora neste ano, apenas 34 foram preenchidas. “Queremos contratar. Precisamos contratar. Vamos investir R$ 4 bilhões no Brasil e, evidentemente, isso exige ampliação de nosso quadro de colaboradores”, disse à DINHEIRO o presidente da Ford América do Sul, Marcos de Oliveira. “Mas o quesito qualificação ainda é um obstáculo a ser vencido.”

Durante décadas o Brasil foi um grande exportador de mão de obra barata. Muitos brasileiros partiam em busca de oportunidades nas grandes economias, como Estados Unidos, Europa e Japão. Agora, tem ocorrido o movimento inverso. Nos últimos dois anos, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT),

450 mil brasileiros voltaram para buscar empregos por aqui e até os estrangeiros estão mirando o Brasil como um novo polo gerador de empregos e de bons salários. É o que se percebe nos quadros da consultoria Accenture Brasil. Por falta de profissionais qualificados, a empresa passou a importar mão de obra. A companhia mantém 180 mil funcionários em todo o mundo – 7,8 mil deles no Brasil.

“Neste ano, os pedidos de projeto na área de serviços de tecnologia se multiplicaram”, destacou o presidente da companhia, Roger Ingold. Ele está garimpando o mercado de trabalho em busca de talentos para preencher as 1,5 mil vagas abertas neste ano. “Para dar conta de atendê-las, tivemos de pedir ajuda a equipes de outros centros da companhia no mundo, como a Índia”, acrescenta o executivo.

O número de novos postos só não é maior devido à legislação trabalhista brasileira – criada na década de 50, quando a indústria era a grande empregadora. Hoje, em uma época em que o setor de serviços é o principal gerador de novas vagas, as leis, de certa forma, ficaram ultrapassadas. Motivo: enquanto hoje a indústria opera com máquinas e depende muito menos do capital humano, a área de serviços demanda muito mais pessoas. “As despesas com salários representam 20% dos custos da indústria. Para quem atua no setor de serviços como nós, esse índice chega a 80%”, diz Ingold.

Em um cenário em que sobram vagas e faltam profissionais qualificados, os processos de seleção de funcionários são cada vez mais desafiadores. Não por acaso, as empresas voltaram a dar mais atenção a um antigo método de contratação. Trata-se do chamado QI, uma abreviação adaptada para a expressão “quem indica”, em um trocadilho da sigla para “quociente de inteligência”. É o mecanismo adotado, por exemplo, pela consultoria PriceWaterhouseCoopers, que poderá contratar até 400 funcionários neste ano – contadores, economistas, advogados, entre outras funções de nível superior.

Como a tarefa não é fácil, os executivos da empresa estipularam que o funcionário que indicar um conhecido para vagas da companhia recebe uma bonificação de R$ 1,5 mil caso haja efetivação do profissional. Mais: dentro do plano de carreira, o empregado pode se tornar um sócio da empresa, como aconteceu com João César Lima. “Entrei na companhia em 1984 e hoje sou um sócio. Como recrutar talentos é sempre uma atribuição complexa, mostramos aos funcionários que o potencial de crescimento deve ser levado em conta tanto quanto a remuneração. Afinal, a disputa por bons funcionários é acirrada no mercado”, disse o executivo.

Essa disputa é chamada de "guerra de talentos". Para Tatiana da Ponte, sócia da consultoria Ernst &, Young, o grande desafio não é apenas contratar, mas, sim, manter os talentos dentro da companhia por um longo período. Por essa razão, indicações de funcionários que resultarem em contratação valem prêmios de R$ 500 a R$ 2 mil, dependendo do cargo preenchido. "Oferecemos bons salários, mas esse não é o único apelo. Temos até uma universidade para oferecer MBA aos funcionários", destacou Tatiana.

Na construtora Rossi Residencial, que deverá lançar 30 mil unidades residenciais, com valor geral de vendas de R$ 3,3 bilhões ainda neste ano, o apelo para reter talentos é promover os funcionários da casa. Só no ano passado, 60 executivos mudaram de cargos e salários. Mas isso não quer dizer que a empresa deixa de garimpar profissionais no mercado.

A Rossi, hoje com mil funcionários, vai contratar mais 320 pessoas até o fim do ano. "A ideia é reforçar todas as nossas unidades pelo País", diz Renata Rossi, diretora administrativa da construtora. Neste ano, a empresa, que usa o trabalho de empreiteiras terceirizadas em suas obras, será responsável pela criação de 12 mil postos indiretos. Para 2011, a previsão é contratar mais 20 mil pessoas.

As boas perspectivas da construção civil não são privilégio da Rossi. Um estudo da Fundação Getulio Vargas encomendado pelo sindicato da construção, o Sinduscon-SP, mostra que o nível de emprego nessa atividade deverá crescer 9% em 2010, com a abertura de 250 mil novas vagas. Se a previsão se confirmar, um exército de 2,6 milhões de pessoas – o equivalente à população do Distrito Federal – trabalhará no setor neste ano.

"Estamos rodando a um ritmo chinês. Aqui sobra emprego", destacou o presidente do Sinduscon-SP, Sergio Watanabe. Nesse ambiente de forte expansão do mercado de trabalho e de grandes mudanças nas relações entre empresas e trabalhadores, a habilidade de empresários e executivos se mostra um instrumento de gestão cada vez mais imprescindível. Afinal, os senhores do emprego são também os senhores da economia.
Fonte: Revista Isto é Dinheiro - ed. 654

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